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30/10/2023 | Desenvolvimento Rural

Produção de alimentos orgânicos garante renda e qualidade de vida para agricultores familiares no Sul catarinense

No Observatório é possível acompanhar o monitoramento dos preços médios pagos aos produtores de orgânicos Por Observatório Agro Catarinense

O que te emociona? Um livro, um filme, uma música? Sentada na varanda de sua casa, Loiva Perdoná Ceza, produtora rural de Criciúma, aperta os pequenos olhos verdes cheios d’água. Ela se emociona com a própria trajetória como agricultora orgânica.

Não é pra menos. Filha e neta de agricultores, a produtora rural se orgulha de ser a única que ficou no campo, entre os 60 netos gerados por seus avós maternos e paternos. Por volta do ano 2000, somou mais um desafio à sua vida profissional: tornar-se uma agricultora orgânica. 

Hoje colhe uma média de cinco toneladas de bananas orgânicas por mês, nos 10 hectares da sua propriedade. Mas até chegar a esse patamar, a “luta”, como ela mesmo define, foi grande.

Loiva Ceza, produtora rural de Criciúma
Loiva produz banana orgânica e mantém uma agroindústria (Foto: Aires Mariga/Epagri)

Loiva teve uma companheira nessa batalha, a tia de seu esposo, Cléia Ceza, já falecida. Dona de uma parte das terras que abrigam o bananal, Cléia não gostava de agrotóxicos. “Ela sempre dizia que dentro da propriedade dela botava o que queria, e ela não queria veneno”, resume Loiva sobre a tia.  

A certificação da produção orgânica veio só em 2006. Antes disso, as agricultoras passaram por um período difícil. “Pra vender como convencional, a banana não estava no padrão que o mercado exigia. Pra vender como orgânica, não tinha certificado”, descreve Loiva, não sem antes fazer um longo intervalo para conter a emoção que essa recordação provoca. 

Para contornar a situação, Loiva vendia uma parte da produção como convencional, “com preço bem baixo”, lembra. O restante era oferecido nas portas das casas e das fábricas da região. Normalmente vendia tudo, mas, caso contrário, dava de presente o que sobrava. O importante era voltar para casa sem banana. 

“Hoje eu não sei se teria essa vontade, nem essa disposição, mas na época eu tinha. Eu queria vencer, eu queria certificar, eu queria vender o meu produto, mostrar que ele era bom. E pra mim não era trabalhoso, não era custoso, não era ruim fazer aquilo, eu fazia com o maior prazer de chegar em casa com o carro vazio, não me interessava se tinha muito dinheiro ou pouco, interessava que o produto tinha ido e eu não jogava fora”, relata a produtora.

Com a certificação, as coisas começaram a melhorar. As redes supermercadistas da região foram os primeiros grandes compradores. “Chegávamos nós, duas mulheres, falando de orgânico, que não tinha na minha cidade ainda. E quando a gente chegava lá, se deparava com aqueles vendedores todos de notebook, muito chique. A gente saía de lá e ria muito. A tia dizia: de certo eles imaginam que a gente é uma vendedora muito grande. E éramos pequenas agricultoras”. 

Tudo foi dando certo. Os mercados abriram as portas diante do produto novo, que despertava a curiosidade do público, e o ânimo de Loiva foi crescendo. Hoje ela já não distribui para supermercados, quase toda sua produção vai para cooperativas, que entregam para as escolas da região. 

Quem visita as feiras locais também pode comprar suas bananas, além dos produtos da agroindústria Ciranda Sabores Orgânicos, cuja certificação ela conquistou há dois anos. São bolos, geleias, balas, passas achocolatadas, biomassa, farinha e muito mais, feitos com banana orgânica e uma grande dose de carinho. 

As bananas orgânicas da família Ceza garantem o sustento de Loiva, seu marido e o genro, que trabalham na propriedade. A Ciranda Sabores Orgânicos tem uma funcionária, mas a intenção da agricultora é aumentar o número, contratando definitivamente a nora, que lhe ajuda esporadicamente na linha de produção. Há ainda um diarista, que entre duas e três vezes por semana faz a roçada no bananal. 

“Foi bastante lutado, não foi fácil, mas foi gratificante, a gente chegou onde queria”, reflete Loiva, na varanda da sua confortável casa. Mas os olhos verdes fixados no horizonte indicam outra coisa: seus sonhos levarão ela e a agricultura orgânica do Sul de Santa Catarina ainda muito longe.  

Certificação participativa 

A história de Loiva se confunde com a do Núcleo Serramar, do qual ela é uma das fundadoras. O Núcleo reúne cinco grupos de famílias rurais da região Sul de Santa Catarina, que adotam a certificação participativa por meio da Rede Ecovida de Agroecologia. 

Saymon Antonio Dela Bruna Zeferino, extensionista da Gerência Regional da Epagri em Criciúma e um dos responsáveis por dar orientação técnica aos agricultores orgânicos da região, explica que existem três formas de certificação de produção orgânica: a participativa, a auditada e a de Organização de Controle Social (OCS). 

Na participativa, os integrantes do grupo se autofiscalizam, garantindo que todas as exigências legais sejam cumpridas. Cada família produtora paga em média R$300,00 por ano para a instituição certificadora. Esse valor fica em torno de R$600,00 anuais para agroindústrias. 

Na certificação auditada, realizada por representantes da certificadora, o valor anual varia entre R$3 mil e R$5 mil, dependendo do local e do acordo que é feito, segundo informa Saymon. Já a certificação de OCS é adotada por quem só pratica venda direta ao consumidor, ou seja, vende na propriedade, numa feira ou entregando cestas de produtos, por exemplo. Neste caso, o agricultor não recebe certificado, mas precisa ter cadastro no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). 

A certificação participativa foi o modelo adotado por Loiva e pela maioria dos produtores da região. Ela diz que poderia ser certificada por auditoria, mas preferiu a outra. Já foi coordenadora de grupo, do núcleo Serramar e da rede Ecovida. Hoje é do comitê de ética, que faz visitas para conferir a conformidade das propriedades. 

“Eu sempre gostei do coletivo, amo dividir com todos, isso tá em mim. Se tu está caminhando sozinho, não consegue ver, mas se está em grupo, consegue ver que teve mudança, no coletivo é melhor, né?”, pondera, com a animação que lhe é típica. 

Dalvacir Gabriel na feira em Criciúma
Dalvacir vende orgânicos e distribui simpatia na feira de Criciúma (Foto: Aires Mariga/Epagri)

Foi essa visão de coletividade que atraiu Dalvacir Simone Gabriel para a certificação participativa. Ela abandonou uma rotina de 30 anos produzindo fumo para plantar hortaliças orgânicas na sua propriedade em Içara, município vizinho a Criciúma. 

Trocou de ramo há cerca de oito anos e hoje produz o suficiente para entregar para uma rede de supermercados, para alimentação escolar e ainda sobra para comercializar em feiras de Içara e Criciúma, onde também distribui sua simpatia. A barraca de orgânicos da feira de Criciúma existe por iniciativa dela, da Loiva e da Fátima, outra produtora da região. “Resolvemos montar uma feira junto, em grupo, cada uma produz alguma coisa, é por isso que dá certo”, relata ela. 

Dalvacir divide  o orgulho de sua horta orgânica com o filho. Ele saiu do campo para trabalhar na cidade e, percebendo a prosperidade da mãe, retornou à propriedade para apoiá-la na produção

Alimentação escolar

Boa parte do que os produtores orgânicos da região tiram da terra vai para a alimentação dos alunos das redes municipais de ensino locais. Na prefeitura de Içara, pioneira na priorização de orgânicos na alimentação escolar, cerca de 7 mil crianças e adolescentes consomem pelo menos uma vez por semana produtos provenientes de lavouras limpas.

Para 2023 a prefeitura de Içara adquiriu, por meio de chamada pública (compra direta da agricultura familiar, por meio de cooperativa), 153.148Kg e unidades de alimentos, que vão sendo entregues pelos produtores ao longo do ano. Deste total, 49.790Kg são orgânicos. Outra modalidade de compra é por pregões, que até o dia 19 de outubro haviam resultado na aquisição de 41.396,58Kg ou unidades de orgânicos, de um total de 140.346,07Kg ou unidades adquiridos no período. Somando as duas compras, só a prefeitura de Içara injetou, até outubro de 2023, R$558.252,45 na agricultura orgânica da região neste ano. 

Tudo isso é resultado de um trabalho conjunto realizado há décadas em parceria pela Epagri e prefeitura de Içara. Rubia Cunha de Souza Raupp, nutricionista e coordenadora do setor de alimentação escolar da prefeitura, conta que em 2003, quando assumiu o cargo, já haviam dois agricultores orgânicos fornecendo alimentos para os estudantes. 

Essa linha do tempo segue em 2009, quando a Lei nº 11.947 determinou que 30% do valor repassado pelo governo federal para compra de alimentação escolar fosse aplicado pelas prefeituras na aquisição de produtos da agricultura familiar. Em 2015, o extensionista Saymon assumiu o Escritório Municipal da Epagri em Içara e se comprometeu com a prefeitura a procurar produtores de alimentos orgânicos para aumentar a presença desses itens nas compras. “A gente aceitou o desafio e foi entrevistando famílias, explicando como fazer a transição para orgânico, explicava da compra, e foi conseguido mais adeptos”, lembra Saymon. 

Hoje Içara serve de exemplo para outros municípios da região, que também passaram a priorizar a compra de orgânicos para alimentação dos estudantes. “Se a prefeitura investir no produto orgânico, vai economizar na saúde lá na frente, é uma escolha que precisa ser feita”, afirma Rúbia, destacando que, apesar de ser uma ação individual, a opção por orgânicos se reflete em toda a sociedade. “É uma questão social, cultural e ambiental”, reflete ela, lembrando que, com esse tipo de ação, o poder público investe no futuro das novas gerações. 

Parceria com a Epagri

Extensionista da Epagri orienta produtores
Saymon (de crachá): Epagri apoia produtores orgânicos em todos os elos da cadeia produtiva, inclusive na comercialização (Foto: Aires Mariga/Epagri)

Apesar de ser tão positivo para a sociedade, produzir alimentos orgânicos requer muito conhecimento e persistência por parte dos agricultores, que contam com apoio da Epagri para não desanimar diante de tamanho desafio. 

A Epagri enxerga a produção de alimentos limpos como uma missão. “É a história do dever. Temos a opção, mas também o dever de produzir um alimento de qualidade para o consumidor”, resume Saymon.

Mas boa vontade não basta, é preciso muito conhecimento. “No geral, falta informação, as pessoas acham que é difícil, que é impossível, que não tem mercado, ou que os produtos serão muito caros”, descreve o extensionista em relação ao que percebe dos agricultores que se interessam pela produção livre de agrotóxicos.

Para desmistificar o tema, a Epagri vai muito além da assistência técnica oferecida individualmente nas propriedades rurais. São realizadas reuniões, viagens, dias de campo, seminários, encontros, oficinas e outros eventos para promover a interação dos agricultores novatos com os mais experientes, de modo a provar que é possível viver com qualidade a partir da produção orgânica. 

A Empresa também apoia no momento de entrar no mercado, oferecendo desde o suporte técnico para certificação e legalização de empreendimentos, até informações sobre regulamento de feiras, rotulagem, tabela nutricional, etc. “Tudo o que está ao redor da legalização dessa comercialização, definição de ponto, projetos de crédito pra compra de barracas ou estruturar empreendimentos, damos apoio”, enumera Saymon. 

A Epagri deu o empurrão que faltava para Dalvacir trocar o fumo pela produção orgânica. “O pessoal da Epagri começou a incentivar e eu comecei, devagarzinho, fazendo cesta, entregando nas casas, depois colocaram nas escolas, começaram as feirinhas, e fomos indo”, lembra ela, ressaltando que o início “foi muito difícil”.  “A gente não era acostumado, mas com incentivo do pessoal da Epagri, da prefeitura, todo mundo junto, muita reunião, muito curso, a gente foi tocando”. 

As atividades promovidas pela Epagri também forneceram as informações que Loiva precisava para concretizar o sonho de produzir orgânicos. “A Epagri foi bastante parceira, em todo tempo”, descreve, destacando que especialmente as viagens contribuíram para “abrir a mente” e aumentar a força de vontade. “Não vou desistir nunca”, era o pensamento de Loiva ao retornar desses compromissos. 

“Há muito sentimento envolvido nas famílias agricultoras que optam pelo orgânico”, declara Saymon. A fala dos produtores orgânicos de Içara e Criciúma, comprovam essa tese. Alegria, orgulho, bom humor, empolgação, saudade, força de vontade, prazer, carinho, gratidão, amor, coletividade e simpatia foram alguns dos sentimentos demonstrados por eles ao descreverem as próprias trajetórias. Além, é claro, dos olhos cheios de lágrimas da Loiva, que falam por si só. 

No Observatório Agro Catarinense é possível consultar a média dos preços pagos aos produtores e no atacado de uma lista de produtos orgânicos. Para isso basta acessar a área temática de Mercado Agropecuário e selecionar, no painel painel interativo de Preços Agropecuários, a  classe “produtos orgânicos”.

Por Gisele Dias, jornalista da Epagri

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